Sunday, June 9, 2013

Anos 80: outros estilos, novas utopias




Em Portugal, o imaginário ‘de fim de ciclos’ (fim da ditadura, fim do império colonial, fim da utopia revolucionária socialista de par com a “grande orquestração do luto” do pós-modernismo europeu) dá lugar, nos anos 80, a uma época de ‘travessias’ sem luz nem fim à vista. Na ressaca do 25 de Abril, Eduardo Prado Coelho escrevia que, no retraimento do sentido provocada pela unidade religiosa em torno da ideia de Revolução, o estético representa a demarcação com os sentidos totalizáveis, produzindo, na disseminação, outros, apenas partilháveis.

Enquanto laboratório de experiências sensíveis daquilo a que José Pinharanda chama ‘múltiplas falências e retornos’, as práticas artísticas deste período refletem processos complexos de re-territorialização cultural em que a experimentação passa a ser o processo, e a ‘esteticização’, o produto. A ‘democratização’ da cultura em sentido amplo é, no entanto, acompanhada de um fraco enquadramento institucional, continuando a observar-se, neste campo, insuficiências estruturais nas políticas culturais. Coexistem com este cenário ‘conservador’, práticas de vanguardismo e experimentalismo estilístico na senda das principais tendências da arte europeia, desde o pós-conceptualismo ao pós-minimalismo e à performatividade, e que têm na proliferação de galerias (Diferença, Ogiva, CAPC, Arco) e de festivais interdisciplinares de arte (Festivais Internacionais de Arte Viva em Almada, as Bienais de Cerveira, os Encontros de Performance de Almada, Porto e Torres Vedras) as suas principais expressões. 

Este fenómeno de ‘travessia’ tem dois momentos distintos: um primeiro, com início em 1977 com a exposição “Alternativa Zero”, de afirmação de um universo artístico heterodoxo e interdisciplinar como território infinito de formulações estéticas, que culmina com a realização, em 1983, da exposição “Depois do Modernismo” − esta última marca a viragem definitiva para uma nova atitude cultural para lá dos vanguardismos históricos e totalitários; um segundo momento, que tem lugar a seguir à integração europeia, em 1986, que corresponde ao período de ‘euforia económica’ do cavaquismo e dá origem ao crescimento de um efetivo ‘mercado de arte’, bem como à afirmação de uma noção de globalização e cosmopolitismo que tem no “Grupo de Belém” o seu exemplo paradigmático.

Em suma, esta abertura e atitude de ‘desvalorização’ face ao ‘fim das narrativas’ opera uma libertação ideológica do trabalho artístico que se traduz em novas utopias do estilo. A profunda renovação dos processos estéticos, que parecem ser tanto de ‘confusão’ e de luto, como de celebração e exteriorização de uma festa, ainda que provisória, figura como um momento estético de “comunicação explosiva” sem paralelo na cultura portuguesa recente.*



* - texto originalmente publicado na folha de sala para o ciclo de cinema "Memória da Mudança: Cinema Português dos Anos 80", uma iniciativa conjunta do Centro de Documentação 25 de Abril e Teatro Académico Gil Vicente.




Tuesday, June 4, 2013

O tempo em ruínas

ruínas - Nuno Guerreiro Dias [2013]
Cartaz da instalação Na Luz ou Essa Sombra - O Tempo em Ruínas, de Sandra Guerreiro Dias (poesia) & Nuno Guerreiro Dias (fotografia), 2013.