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© Alexey Bednij |
José Sócrates foi detido.
Se há suspeitas, investigações em curso, deve haver consequências. Cumpra-se a
lei. Mas não é pelo ‘enxovalhamento’ que isto lá vai. E um país angustiado,
pobre e sem auto-estima encontra rapidamente o seu bode expiatório catártico de
barbaridades e bacoquices. Não, não é bem assim. A ‘res publica’ não é nenhum
romance de ‘faca e alguidar’.
O que se subleva aqui: as
suspeitas, o imaginário político de corrupção ao mais alto nível, na mais fina
flor dos quadros públicos e políticos, a saturação deste jogo de sombras,
desonestidade e falsos moralismos. Pergunta: haverá pior exemplo para o civismo
de um país que uma classe política suspeita de corrupção, impune e com direito
a horário nobre na televisão pública? Eu própria me vi confrontada com este
constrangimento quando, um dia, numa aula, um aluno me perguntou: ‘Professora,
se o Primeiro-Ministro fez o curso por encomenda ou nem isso, porque é que eu
me hei-de esforçar?’. Não, a escola, a universidade, a educação formal em
geral, não faz milagres. People see,
people do.
A detenção de um
ex-primeiro ministro em Portugal nos 40 anos de democracia deve levar um país a
pensar sobre si próprio e não apenas sobre os seus políticos. Somos nós que os
elegemos, são as nossas escolas e universidades que os formam, é a nossa
sociedade e processos de meritocracia que lhes permitem chegar onde chegam.
Somos todos e todas, não são eles e elas. Como é que cada um/a de nós contribui no seu dia-a-dia
para a credibilidade do debate público e político?
Estudei em Coimbra, a
academia mais politizada por excelência. Pela sua história. Ou já foi. E isso
tem também que ver com o que vou dizer a seguir. Desculpem-me os/as que vou
ofender: há muito que esse exemplo da história se esvaiu do imaginário político
e cívico coimbrão. Salvo raras excepções, aquilo que vi no meu tempo de
estudante, não foi mais do que juventudes disto e daquilo, secções disto e
daquilo, a lutar por tachos. Pela parte que me toca, nunca me interessou a
política pela simples razão de que esta é porca, feia e má. Por vezes mesmo um
atentado à inteligência do cidadão comum. Basta analisar o nível do debate
político, o nível de linguagem. É confrangedor. Qualquer close reading ao discurso político topa de longe a sua ‘embalagem’
demagógica. O que não significa, no entanto, que não tenhamos que ser
políticos. De outro tipo. De outra forma. Há muitos exemplos também em Coimbra
de boas práticas e por esse país fora. É um caminho.
Em suma, não adianta
meter a política na ‘borda do prato’ porque diz respeito a todos e a todas. O facto de nos
termos desinteressado, nós, geração pós-25 de Abril, é um sinal claro. Não, não
éramos fúteis, nem a ‘geração rasca’. Apenas não nos revíamos não, na política
em geral, mas nesta em particular, em que quase ninguém se revê hoje, de resto.
Será que o que se está a
passar é uma mudança de paradigma político? Em último caso, é um alerta flagrante
de que algo tem necessariamente que mudar. E depressa.