Fotografia: João Paulo Cruz |
"Rir é a arma
absoluta”. Frase de choque para estes dias. Dedicada especialmente aos
faccionários do riso q.b. Vem-me a par de uma outra que li à entrada do Bloco 4
em Auschwitz: “Aqueles que não conhecem a história estão destinados a
repeti-la” (George Santayna).
O que mais custa nestes dias é
acordar no âmago das nossas vidas certinhas, trágicas e ridículas e não ter
vontade de rir. É perguntar em estertor porquê e a resposta escapar-se-nos
ambígua e difusamente pelas sombras da história. Não, não basta a ideologia, o
moralismo, a religião, os analistas, a cultura ou a economia. Não há soluções
finais, eficazes e felizes para problemas complexos como estes.
Era fácil se fosse só apanhar os bandidos
e exterminar a estirpe deles. Mas os sujeitos não vieram de Marte e são seres humanos.
Temos de coabitar. Em todo o caso, quem são? Que período da história é este que
os germina? O que explica que jovens tão jovens sejam então uma espécie de lixo
underground da história? O que sobra de um sistema de organização social que
vem fracassando redondamente e em catadupa? Falhou a família, falhou a
educação, falhou a política, falhou a sociedade, falhou a religião, falhou a
história, falhamos nós.
Porquê, se rir é tão e somente sinónimo
de liberdade e inteligência? Se quanto mais refinado e sofisticado o humor, mais
arejado e libertador? Não, o riso não é leve! O riso não é entretenimento! Como
dizia Almada Negreiros, “a alegria é a coisa mais séria da vida”. Se nos roubam
a vontade de rir, roubam-nos a inteligência, a consciência, a capacidade de nos
olharmos em perspectiva e, com distanciamento, relevarmos as mais profundas e
arreigadas das nossas convicções, causas, sombras.
Não, não basta encontrar um bode
expiatório. Como defende Amartya Sen
em Identidade e Violência (2006), o
ser humano tem muitas identidades: é pai, mãe, filha, professor, católica,
budista, artista, político, activista, jogador de futebol, vizinha. Sim, ainda
é preciso relembrar o óbvio. Porque identidade nada tem que ver com fanatismos
e totalitarismos. Acabados de sair da Era dos Extremos, para onde vamos? O
que não aprendemos com a história?
Os ciclos históricos começam,
acabam, renovam-se. Pelo caminho há crises, apocalipses e revoluções. Panta rhei. E não há um motivo para
isso, há vários ligados entre si. E não é pela esquerda ou pela direita. É
pensando a história como um todo, nos seus subterfúgios, enredos e meandros.
Questionando. Pondo em causa. Rindo.
Enfim, o que seremos sem a
capacidade de rir de nós próprios? Da nossa pequenez, medos, defeitos, do lugar
infra-cósmico que ocupamos na imensidão do universo? O que sabemos se não apenas
que nada sabemos? É um lugar comum, é universal. Será?
Texto originalmente publicado em P3