Saturday, January 10, 2015

A insustentável leveza do riso

Fotografia: João Paulo Cruz


"Rir é a arma absoluta”. Frase de choque para estes dias. Dedicada especialmente aos faccionários do riso q.b. Vem-me a par de uma outra que li à entrada do Bloco 4 em Auschwitz: “Aqueles que não conhecem a história estão destinados a repeti-la” (George Santayna).
O que mais custa nestes dias é acordar no âmago das nossas vidas certinhas, trágicas e ridículas e não ter vontade de rir. É perguntar em estertor porquê e a resposta escapar-se-nos ambígua e difusamente pelas sombras da história. Não, não basta a ideologia, o moralismo, a religião, os analistas, a cultura ou a economia. Não há soluções finais, eficazes e felizes para problemas complexos como estes.
Era fácil se fosse só apanhar os bandidos e exterminar a estirpe deles. Mas os sujeitos não vieram de Marte e são seres humanos. Temos de coabitar. Em todo o caso, quem são? Que período da história é este que os germina? O que explica que jovens tão jovens sejam então uma espécie de lixo underground da história? O que sobra de um sistema de organização social que vem fracassando redondamente e em catadupa? Falhou a família, falhou a educação, falhou a política, falhou a sociedade, falhou a religião, falhou a história, falhamos nós.
Porquê, se rir é tão e somente sinónimo de liberdade e inteligência? Se quanto mais refinado e sofisticado o humor, mais arejado e libertador? Não, o riso não é leve! O riso não é entretenimento! Como dizia Almada Negreiros, “a alegria é a coisa mais séria da vida”. Se nos roubam a vontade de rir, roubam-nos a inteligência, a consciência, a capacidade de nos olharmos em perspectiva e, com distanciamento, relevarmos as mais profundas e arreigadas das nossas convicções, causas, sombras.
Não, não basta encontrar um bode expiatório. Como defende Amartya Sen em Identidade e Violência (2006), o ser humano tem muitas identidades: é pai, mãe, filha, professor, católica, budista, artista, político, activista, jogador de futebol, vizinha. Sim, ainda é preciso relembrar o óbvio. Porque identidade nada tem que ver com fanatismos e totalitarismos. Acabados de sair da Era dos Extremos, para onde vamos? O que não aprendemos com a história?
Os ciclos históricos começam, acabam, renovam-se. Pelo caminho há crises, apocalipses e revoluções. Panta rhei. E não há um motivo para isso, há vários ligados entre si. E não é pela esquerda ou pela direita. É pensando a história como um todo, nos seus subterfúgios, enredos e meandros. Questionando. Pondo em causa. Rindo.
Enfim, o que seremos sem a capacidade de rir de nós próprios? Da nossa pequenez, medos, defeitos, do lugar infra-cósmico que ocupamos na imensidão do universo? O que sabemos se não apenas que nada sabemos? É um lugar comum, é universal. Será?
 “Keep your friends close, but your enemies closer”, diz Don Corleone em The Godfather (1972). Por inimigos entenda-se aqui, os medos. Sim, mantenhamo-los bem próximos, encarando-os de frente, rindo deles e da nossa mediocridade. O riso não é insustentável. O que é insustentável é a falta dele.

Texto originalmente publicado em P3

Friday, December 26, 2014

Séries de culto e o lado b da história



James Gandolfini não morreu. É um ícone polémico da história contemporânea e faz parte de um conjunto de arquétipos sociais complexos com que tentamos compreender o mundo. O mesmo para Laura Palmer (de regresso, em breve), Macgyver, Seinfield, Dr. House, Jack Bauer, Dexter, Joel Fleischman, Walter White, Fox Mulder e Dana Scully, entre tantos outros.

Esta galeria muito excêntrica (e pós-moderna) compõe um sortido colorido de personagens semi-reais, semi-fictícias, que a indústria de entretenimento tem vindo a produzir em massa, mas não sem nada a declarar: desta ou daquela maneira, as suas estórias deram significado, ilustraram ou problematizaram questões, dúvidas, angústias da história.

O culto das séries terá começado em Portugal algures nos anos 80 com a televisão a cores. Hoje, fazem parte do capital cultural que consumimos diariamente, juntamente com a música, a publicidade, as revistas e as aplicações. Mas será que vemos séries porque nos são impingidas pelos media? Ou é a pescadinha de rabo na boca e consumimos porque nos faz falta e por isso é um nicho de mercado? Não vai mal nenhum ao mundo por isso. Importa, sim, perguntar por que é que as séries importam. Também elas contam a história da história?

Há séries, claro, para todos os gostos. De vários tipos, tamanhos e feitios. Das mais sofisticadas (tipo "Sopranos", "Six Feet Under", "Dekalog") às 3+1=4 (as previsíveis, as que não dão sono mas também não tiram). Adaptam-se às nossas vontades, personalidades, "moods". Posso escolher entre rir hoje com o Ricky Gervais ("The Office"), chorar amanhã com "The World at War" ou beber um chá com a família Crawley ("Downton Abbeye"). Depois, há as mais ou menos universais, como "Game of Thrones", que só quem ainda não viu pode dizer que não gosta ou não lhe diz nada. É um verdadeiro "case study" estético e sociológico.

O "culto" advém da combinação explosiva que estas produções fazem de um conjunto de factores: o entretenimento (que não é uma coisa terrível e é tão antiga como o ser humano); a sofisticação dos meios de produção, da luz à fotografia, passando pela música e os argumentos, muitos deles, brilhantemente compostos e escritos, satisfazendo as nossas necessidades estéticas, sim; o recurso ao jogo, ao estímulo mental e corporal, respondendo à nossa apetência para desafios, como tão bem sistematizou John Huizinga no seu "Homo Ludens" em 1938.

Mas não só. As séries são reservatórios psicanalíticos. Ali lava-se roupa suja sem pudor. Dos preconceitos aos medos, dos desejos aos sonhos, do sexo à política do pior. Tudo posto a nu, com tiros, sons e cores. Vale tudo. Porque é ficção. É ficção? Como diz Aristóteles, a ficção é tão real como a suposta verdade porque não é o que é mas o que podia ter sido. Neste imaginário de possibilidades sem limites e com uma panóplia incrível de recursos tecnológicos como nunca tivemos, as séries dão azo à necessidade humana de explicação e contemplação do mundo.


Texto originalmente publicado em P3.

Monday, December 1, 2014

Os Velhos e a História

© João Paulo Cruz. Reproduzido com permissão.

Crónica no P3.

Thursday, November 27, 2014

Afinal o facebook antes de o ser, já o era

Fotograma do Videopoema Rede, Teia, Labirinto 1985-1989 © E. M. de Melo e Castro. Reproduzido com permissão
Crónica no P3.

Sunday, November 23, 2014

Onde é que pára a política?

© Alexey Bednij 


José Sócrates foi detido. Se há suspeitas, investigações em curso, deve haver consequências. Cumpra-se a lei. Mas não é pelo ‘enxovalhamento’ que isto lá vai. E um país angustiado, pobre e sem auto-estima encontra rapidamente o seu bode expiatório catártico de barbaridades e bacoquices. Não, não é bem assim. A ‘res publica’ não é nenhum romance de ‘faca e alguidar’.
O que se subleva aqui: as suspeitas, o imaginário político de corrupção ao mais alto nível, na mais fina flor dos quadros públicos e políticos, a saturação deste jogo de sombras, desonestidade e falsos moralismos. Pergunta: haverá pior exemplo para o civismo de um país que uma classe política suspeita de corrupção, impune e com direito a horário nobre na televisão pública? Eu própria me vi confrontada com este constrangimento quando, um dia, numa aula, um aluno me perguntou: ‘Professora, se o Primeiro-Ministro fez o curso por encomenda ou nem isso, porque é que eu me hei-de esforçar?’. Não, a escola, a universidade, a educação formal em geral, não faz milagres. People see, people do.
A detenção de um ex-primeiro ministro em Portugal nos 40 anos de democracia deve levar um país a pensar sobre si próprio e não apenas sobre os seus políticos. Somos nós que os elegemos, são as nossas escolas e universidades que os formam, é a nossa sociedade e processos de meritocracia que lhes permitem chegar onde chegam. Somos todos e todas, não são eles e elas. Como é que cada um/a de nós contribui no seu dia-a-dia para a credibilidade do debate público e político?
Estudei em Coimbra, a academia mais politizada por excelência. Pela sua história. Ou já foi. E isso tem também que ver com o que vou dizer a seguir. Desculpem-me os/as que vou ofender: há muito que esse exemplo da história se esvaiu do imaginário político e cívico coimbrão. Salvo raras excepções, aquilo que vi no meu tempo de estudante, não foi mais do que juventudes disto e daquilo, secções disto e daquilo, a lutar por tachos. Pela parte que me toca, nunca me interessou a política pela simples razão de que esta é porca, feia e má. Por vezes mesmo um atentado à inteligência do cidadão comum. Basta analisar o nível do debate político, o nível de linguagem. É confrangedor. Qualquer close reading ao discurso político topa de longe a sua ‘embalagem’ demagógica. O que não significa, no entanto, que não tenhamos que ser políticos. De outro tipo. De outra forma. Há muitos exemplos também em Coimbra de boas práticas e por esse país fora. É um caminho.
Em suma, não adianta meter a política na ‘borda do prato’ porque diz respeito a todos e a todas. O facto de nos termos desinteressado, nós, geração pós-25 de Abril, é um sinal claro. Não, não éramos fúteis, nem a ‘geração rasca’. Apenas não nos revíamos não, na política em geral, mas nesta em particular, em que quase ninguém se revê hoje, de resto.
Será que o que se está a passar é uma mudança de paradigma político? Em último caso, é um alerta flagrante de que algo tem necessariamente que mudar. E depressa.

Thursday, November 13, 2014

We are all made of stars

Credit: ESA/Rosetta/Philae/ROLIS/DLR
Artigo sobre a Missão Rosetta, o Desconhecido e a Ciência, no P3.

Wednesday, November 5, 2014

Os novos-novos 80's

Back to the Future - Robert Zemeckis [1985]

Artigo sobre a geração Rubik no P3.